Finalmente temos uma melhor compreensão de como o autismo pode aumentar as habilidades cognitivas
Nas últimas décadas, as pesquisas sobre autismo têm se concentrado principalmente nas dificuldades comportamentais, cognitivas e sociais associadas ao transtorno. Recentemente, Pratik Raoul, da Universidade de Canberra (Austrália), e sua equipe examinaram os benefícios cognitivos específicos do autismo e conseguiram entender parcialmente por que e como esse transtorno pode melhorar o desempenho cognitivo.
Os transtornos do espectro autista (TEA) são definidos pelos cientistas como neurodesenvolvimento associado a uma série de transtornos complexos no nível dos neurônios. Esses transtornos são caracterizados por comportamentos repetitivos e dificuldade em estabelecer conexões sociais. Eles também afetam a comunicação, e as pessoas que sofrem com eles muitas vezes têm interesses limitados. Enquanto a maioria dos pesquisadores vê o autismo como um transtorno do neurodesenvolvimento, outros veem e estudam esse transtorno do desenvolvimento de uma forma mais positiva.
Em 2013, cientistas da Universidade de Stanford realizaram exames de ressonância magnética funcional (fMRI) em 110 crianças, incluindo aquelas com autismo, para observar sua atividade cerebral espontânea. No decorrer deste estudo, eles foram capazes de estabelecer que crianças com transtornos do espectro do autismo têm maior comunicação entre os neurônios, tanto localmente quanto a longas distâncias em todo o cérebro. Outro estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de San Diego envolvendo 70 adolescentes, 37 dos quais tinham autismo, mostrou resultados semelhantes. Ao colocar cada participante sob fMRI, eles identificaram uma área de hiperconectividade marcada em uma pequena área (cerca de 14 milímetros) do cérebro autista.
"Esses estudos muito bem desenhados, que envolveram grupos bastante grandes de crianças, questionam os resultados de estudos anteriores que sugeriram que os cérebros de crianças autistas não estão suficientemente conectados", diz Nuchin Hajihani, neurocientista especializado em autismo da Universidade Harvard. Pratik Raul, pesquisador de neurociência da Universidade de Canberra, e Jeroen van Boxtel, professor da Universidade de Canberra, e Jovana Aczewska, da mesma universidade, compartilham da mesma opinião.
A equipe de Raoul realizou um estudo que destacou os benefícios particulares do autismo, mostrando, por exemplo, que pessoas com o transtorno são capazes de reconhecer uma figura simples embutida em um padrão complexo. Alguns também são capazes de organizar rapidamente blocos de diferentes formas e cores e encontrar objetos em ambientes visuais desordenados de forma mais eficiente do que sujeitos sem autismo. Fica a pergunta: como essas pessoas são capazes de tamanha realização cognitiva? A resposta oferecida por Raul e sua equipe é surpreendente: "ruído neural".
Destaque para o ruído neural
Segundo Raoult, o ruído neural é um fenômeno semelhante ao ruído auditivo. No entanto, consiste em flutuações aleatórias que ocorrem no cérebro. Existem muitas fontes de ruído neural que é constante (embora aleatório em forma e intensidade). É além das várias atividades cerebrais geradas pelos sentidos (o que uma pessoa ouve, vê, cheira e toca). Isso significa que, mesmo que o mesmo estímulo seja apresentado ao cérebro várias vezes, ele não tem o mesmo efeito. Como resultado, a resposta ao estímulo é constantemente flutuante: às vezes o cérebro responde a ele mais forte, às vezes mais fraco.
No caso do autismo, o ruído neural é maior, como evidenciado pelos registros de eletroencefalografia (EEG), disse Raoult. Crianças com autismo têm flutuações mais significativas, o que significa que a atividade de seus neurônios é menos previsível e mostra uma gama maior de atividade (mais picos e vales) em resposta ao mesmo estímulo. De acordo com pesquisas anteriores, há uma ligação entre esse ruído neural e as dificuldades cognitivas, comportamentais e sociais associadas ao autismo. No entanto, David Simmons, pesquisador em psicologia e percepção, e seus colegas da Universidade de Glasgow discordam.
Esses pesquisadores são os primeiros a sugerir que altos níveis de ruído nos neurônios podem ser benéficos, pois em quantidades ideais podem estimular positivamente o desempenho de determinadas tarefas. Isso se deve a um fenômeno que a comunidade científica chama de "ressonância estocástica". Raúl e seus colegas basearam sua pesquisa nessa ideia, apresentada por Simmons e sua equipe. Para isso, estudaram os resultados dos participantes em tarefas de reconhecimento de letras. Ao mesmo tempo, mediram seus traços autistas.
Neste experimento, Raúl e sua equipe submeteram os participantes com autismo e neurotipo a dois exercícios de identificação de letras: o primeiro no laboratório e o segundo online. Neste último caso, os sujeitos tiveram que identificar uma letra quando ela foi exibida contra um fundo visual estático com intensidade variável.
"Usando um fundo estático, adicionamos ruído visual adicional ao ruído neural já presente no cérebro de nossos participantes. Levantamos a hipótese de que o ruído visual faria com que os participantes com traços autistas leves tivessem um desempenho melhor", diz Raoul em um artigo de sua coautoria para o The Conversation. "A previsão mais interessante era que o ruído não ajudaria as pessoas com autismo alto, pois seu próprio ruído neural já garante o desempenho ideal", acrescentou.
Os resultados, disse Raoult, foram conclusivos, já que pessoas com altos níveis de autismo tiveram um desempenho melhor do que aquelas com baixo ruído neural. Isso sugere que seu próprio ruído neural já estava causando um efeito natural de ressonância estocástica, levando a um melhor desempenho.
"Os cérebros das pessoas com autismo são diferentes e têm suas limitações, mas também suas vantagens", diz Raul. Embora o estudo não tenha incluído participantes com autismo diagnosticado clinicamente, os pesquisadores conseguiram confirmar a hipótese de melhora no desempenho devido à ressonância estocástica no autismo.
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